A Arte do Restauro

Nesta época em que, por um lado temos uma sociedade do consumo onde tudo é descartável, não faltando o que escolher na troca de um qualquer utensílio do qual nos fartamos ou que, tendo perdido o brilho e a glória do passado, temos como nunca antes a facilidade em adquirir outros bens em detrimento desses, cujo tempo passou e as marcas do uso ficaram. Por outro, temos de desenvolver a consciência e a necessidade de reciclarmos e aproveitarmos os objetos e matérias-primas que, algumas não sendo finitas, a natureza leva muito tempo a repor os stocks necessários ao equilíbrio dos ecossistemas, entre as quais estão as madeiras, materiais ferrosos entre muitos outros.

Quem no passado não se encantou por um móvel e fez sacrifícios para juntar algumas economias com o objetivo de comprar essa belíssima peça de arte? Contudo, os anos passaram e a sua beleza e encanto foram-se apagando, não o considerando mais merecedor de nossa simpatia, tendo por destino o lixo. É aqui que entra a sensibilidade e a mestria de artistas que, olhando para além do aspeto gasto e cansado que no momento apresentam, usam o seu saber para os fazer voltar à sua anterior glória. Estou a falar dos restauradores de móveis, que, um pouco por tolo o lado, dão a sua perícia na recuperação destes objetos. 

Na cidade de Penafiel, na Rua Alfredo Pereira, existe uma oficina de restauro, a Casa dos Restauros, sendo proprietários dois sócios, o senhor Mário Silva e Paulo Sousa. Estes dois profissionais são companheiros de trabalho desde a juventude, tendo aprendido a profissão juntos com o antigo dono da oficina, com quem deram os primeiros passos no ofício. Revelam uma grande paixão pela arte que desenvolvem, e, à medida que vamos observando o trabalho deles, concluímos que estamos perante duas pessoas que amam o que fazem. Isto foi o que testemunhei ao ver estes profissionais na recuperação de duas peças de mobiliário, um genuflexório (cadeira de oração) e uma caixa de relógio de sala, segundo afirmaram, terá mais de um século, talvez dos finais do século XIX. Com mestria foram trabalhando as peças, respeitando os materiais originais, apenas substituindo o que o tempo se encarregou de gastar pelo uso e pela ação dos elementos. Todo este trabalho pode ser apreciado pelo leitor através do  registo fotográfico  ali realizado.

Igual ao que aconteceu com muitos dos bons profissionais nas artes-e-ofícios deste país, iniciaram a suas carreiras muito jovens, tendo abandonado a escola ainda petizes, não tendo ido além do 4º e 9º ano, mas, ganhou-se dois bons profissionais que à custa da experiência e da curiosidade em querer saber mais e mais, desenvolveram aptidões de grande valor técnico. Segundo dizem, ainda muito novos começaram a comprar livros que lhes dessem os conhecimentos que o patrão não tinha, mas que sentiam necessidade de aprender outras técnicas que os habilitasse ir mais longe no desempenho da sua arte.           

Assim, à medida que foram desenvolvendo as suas aptidões começaram a fazer biscatos nas suas horas vagas que lhes trouxe reconhecimento profissional entre os clientes que lhes confiavam os seus objetos, sendo estes a sua melhor publicidade que, passando a palavra, têm-lhes granjeado boa reputação a nível nacional. Com o passar do tempo o então patrão reformou-se, passando a casa a estes dois profissionais que em sociedade têm desenvolvido o seu negócio. O que mais destacam no desenvolvimento da sua arte é o gosto e a seriedade com que executam todos os trabalhos, sendo que, pelas suas mãos passam peças de valor incalculável devido à sua antiguidade e raridade.

Além disso, fazem questão de afirmar que outra das características que faz a diferença entre o seu trabalho e o de outros é o rigor que procuram ter ao restaurar cada peça e, não entrar na crítica destrutiva de outros profissionais no mercado, mesmo que considerem que, determinado restauro não tenha sido tão bem conseguido, afirmando, “a todos acontece haver um ou outro trabalho que corre menos bem”. O desejo destes senhores é que o seu trabalho seja a sua montra publicitária, e, quando os clientes gostam do seu trabalho são eles a recomenda-los a outros, sendo que, essa publicidade tem atravessado o país de norte a sul, a qual é responsável por muitos trabalhos fora da sua área residencial, sendo que já foram executar restauros na zona sul do país.

O esforço de aprenderem as técnicas mais adequadas de restauro, que passam pela aplicação de madeiras até ao restauro de pintura, tem-lhes dado uma boa reputação profissional, onde a arte se confunde aqui e ali com a realidade. Alguns dos restauros feitos, onde requer que seja realizada uma decoração a imitar por exemplo a madeira, a mestria com que é feito o trabalho tem levado a alguns profissionais de carpintaria pensar que estão perante madeira verdadeira e não uma pintura.

Foi um prazer estar algumas manhãs a ver trabalhar estes dois senhores e a ver ressurgir das cinzas peças que não daríamos nada por elas e a retornarem à sua glória passada como se pode ver no registo fotográfico. Um bem-haja pelo profissionalismo e simpatia aos senhores Mário Silva e Paulo Sousa.